Escritora conta como o irmão com Down foi banido da convivência familiar

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A primeira vez que vi meu irmão, Jimmy, ele tinha 60 anos de idade, e eu estava em pé ao lado de sua cama no hospital na cidade de Dunkirk, Nova York. Ele estava entubado com pneumonia intratável e dormindo por causa da medicação, o pouco cabelo ruivo diferia muito do resto da minha família morena. A identificação na pulseira dava a data de nascimento: 26 de junho de 1953, exatamente 18 meses depois do meu. Até aquele momento, eu não sabia o dia de seu aniversário.

Dez dias antes, eu estava trabalhando em Nova York quando o telefone tocou. Uma voz disse: “Aqui é a Wanda, do asilo do seu irmão Jimmy”. Lágrimas rolaram imediatamente, embora eu nem imaginasse por que ela estava ligando.
Jimmy era o terceiro dos quatro filhos dos meus pais, com uma grande incapacidade provocada pela síndrome de Down. “Mandem-no embora e se esqueçam dele”, foi o conselho que receberam.
Na época, havia uma ideia amplamente disseminada que ter um filho deficiente –ou com qualquer alteração genética– era um julgamento de Deus. Os pais devem ter feito algo terrível para merecerem tal castigo. O diretor da minha escola no ensino médio alertou os estudantes contra o sexo antes do casamento, explicando que ele assim procedera uma vez, resultando numa criança que era um “vegetal”.
Meu pai era radiologista em nossa cidadezinha, onde todos os médicos eram amigos. Ele uma vez contou à minha irmã que estava na sala de parto quando Jimmy nasceu, e o obstetra, sabendo que algo estava errado, indicara sem precisar falar que poderia se livrar do neném fazendo uma leve pressão em seu pescoço. A oferta foi declinada.
Assim, Jimmy foi mandado embora, tornando-se responsabilidade do Estado. Meu conhecimento acerca do meu irmão se resumia basicamente a um retrato tirado na instituição mostrando um garotinho com olhos puxados no colo do meu pai. Minhas irmãs e eu ouvíamos respostas azedas dos nossos pais, que diziam para não perguntarmos sobre ele.
Um dia, quando lhe perguntaram como estava o Jimmy, meu pai respondeu: “Como está o Jimmy? Ele é um idiota!”. Minha mãe estava vendo um documentário na televisão sobre crianças com retardos mentais, chorando. Meu pai, após uma discussão furiosa com minha mãe, teve um colapso nervoso e ficou se perguntando: “O que eu fiz para merecer um filho assim?”.
Quando adulta, conheci outras pessoas com irmãos com deficiência mental. Às vezes, eu falava sobre o Jimmy. “Você o visita?”, perguntavam. Eu dizia que não e, após um momento estranho, voltava a evitar pensar nele, do mesmo jeito que se evita bater em uma ferida dolorosa. Eu acreditava que ele seria assustador demais até de se olhar, um “vegetal” em uma existência institucionalizada, sombria e sem sentido.
Eu nunca tinha visto meu irmão e agora uma pessoa chamada Wanda me dizia que ele estava gravemente doente, que ela tomava conta dele há 20 anos e que o amava. Eu tinha ignorado meu irmão a vida inteira. Agora, estava devastada pelo fato de ele estar morrendo. Eu deveria visitá-lo, pensei, depois tive um medo irracional de que meus pais – ambos mortos há muito tempo – ficariam furiosos. Jimmy não saberia quem eu era. Os cuidadores achariam que eu era uma hipócrita, aparecendo em sua morte, quando não comparecera em sua vida.
Fonte: Lisa Reswick*
The New York Times