A entrada no mercado de trabalho não é fácil para ninguém. Dúvidas sobre que carreira seguir, por onde começar, como conseguir o primeiro emprego sem ter tido nenhuma experiência são alguns dos desafios de iniciais. Imagine então para jovens com síndrome de Down, que enfrentam um forte preconceito e a desconfiança sobre sua capacidade.
Felizmente, esse quadro vem mudando e hoje é cada vez mais comum vermos pessoas com síndrome de Down e outras deficiências se destacando no ambiente profissional. Nesse texto apresentamos algumas dessas histórias.
Quando fez 15 anos Felipe Ribeiro quis uma festa. A comemoração teve um DJ que convidou o aniversariante a conhecer seu espaço de discotecagem. A partir desse dia, ele decidiu que também queria tocar nas festas e persistiu no sonho até o ano passado quando pode finalmente fazer um curso. Com síndrome de Down, Felipe, hoje com 21 anos, descobriu sua aptidão e agora se prepara para começar a trabalhar de fato.
Já há algum tempo muito se discute sobre a inclusão e o desenvolvimento de pessoas com deficiência intelectual, mas pensar no que esses cidadãos farão após tornarem-se adultos ainda não é ponto de discussão forte na sociedade.
“Para qualquer filho o que queremos é que eles sejam felizes, amem e sejam amados e ganhem seu dinheiro, tenham uma realização pessoal. E eu queria isso para o Felipe. Por isso lutei para descobrir as aptidões dele”, conta a mãe do DJ, Maria Irene Ribeiro.
Por isso, o jovem fez curso de computação, aulas de forró e outras danças e esportes, além da escola e das atividades na Associação de Pais e Amigos Vitória Down. Mas foi na combinação de música e animação que ele encontrou seu sonho profissional.
“A música é minha vida. E quero ganhar dinheiro para casar e ter uma família”, diz Felipe, que namora uma moça, que também tem a síndrome de Down, há 11 meses. Ele ganhará seus primeiros cachês em outubro, mês em que já tem duas festas agendadas para tocar, além de uma para setembro que está em negociação.
O curso que ele fez foi ministrado pelo DJ Léo Santos e oferecido pelo Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) em parceria com o Senac.
CAPACITAÇÃO
Depois de um bom tempo batalhando até a mãe conseguir inscrevê-lo em um curso de DJ, Felipe está conseguindo realizar seu sonho e começar a trabalhar. Mas as portas dos processos de capacitação são muito complicadas para quem tem síndrome de Down, assim como outras deficiências intelectuais.
Além disso, muitas empresas não aceitam essas pessoas. Por isso a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) de Cariacica tem promovido um programa de orientação para vida e trabalho.
Primeiro há uma etapa de capacitação, treinando habilidades manuais e a coordenação motora. Depois é feito um trabalho para desenvolver a autonomia, o relacionamento pessoal e explicar detalhes como a documentação para esses jovens. A partir daí, a Apae tem conseguido emprego para alguns deles.
“As empresas que são nossas parceiras e contrataram pessoas com deficiência intelectual estão muito satisfeitas. Antes de eles começarem a trabalhar, vamos até o local e damos uma palestra para os funcionários sobre inclusão”, explica a terapeuta ocupacional Desirée Pesca, que trabalha com qualificação profissional há nove anos pela Apae.
Um dos jovens encaminhados é Diogo Souza, 26. Hoje ele é empregado como ajudante na Transportadora Pajuçara, em Cariacica. Antes ele já havia trabalhado em uma empresa do ramo alimentício por três anos. “Eu ajudo na limpeza, na arrumação, na organização e a retirar o lixo. Gosto de vir trabalhar, no serviço tenho vários amigos”, fala Diogo.
A encarregada administrativa da Pajuçara, Marília Aguiar, diz que ele é um dos melhores funcionários. “Ele é superorganizado e chama atenção dos outros quando sujam o que ele arrumou”, diz.
SUPERPROTEÇÃO IMPEDE INSERÇÃO NO MERCADO
Um dos maiores desafios para inserção dos portadores de síndrome de Down no mercado de trabalho é a superproteção familiar. Além da dificuldade com a aceitação das empresas, há muitas vezes o desconforto e o medo dos pais e responsáveis sobre como os jovens se comportarão e serão tratados no emprego.
Mas a desenvoltura como profissional depende muito de como é o tratamento em casa. “Essas pessoas têm um atraso no desenvolvimento, mas têm condições de trabalho. A vida adulta envolve certa capacidade de autonomia e isso terá muita relação com o contexto familiar, inicialmente”, explica a coordenadora do curso de psicologia da UVV e doutorando em psicologia, mediação materna e desenvolvimento de crianças com síndrome de Down, Luciana Bicalho Reis.
Esses jovens precisam ser estimulados para que tenham uma boa cognição e socialização. “O trabalho é importante porque é algo que caracteriza o adulto, é uma atividade que confere independência. Se não forem orientados, essas pessoas ficarão privadas disso”, ressalta Luciana.
AUTONOMIA
A questão da autonomia é a chave de todo esse processo. O cientista social e presidente da Federação das Apaes no Espírito Santo, Washington Luiz Sieleman Almeida, alerta que esses jovens precisam ser conscientizados da condição deles e de suas possibilidades e dificuldades.
“O empoderamento tem que ser feito já na família. A deficiência intelectual não é uma sentença de morte, é uma condição de vida e a pessoa tem que ser adaptar a isso. Eles precisam sim de uma atenção diferenciada para desenvolver suas tarefas, mas é necessário que se desenvolva uma autogestão”, defende.
DERRUBANDO PRECONCEITOS
Fernanda Honorato
Foto: Márcio Zavareze/Arquivo TV Brasil
Aos 34 anos, é a primeira repórter com síndrome de Down no país. Trabalha no “Programa Especial”, da TV Brasil, desde 2006. Exibido aos sábados, ele é voltado para inclusão de pessoas com deficiência física ou intelectual. Saiba mais sobre ela aqui.
Ángela Bachiller
Foto: reprodução da internet.
Tornou-se vereadora na Câmara da cidade de Valladolid, Espanha, em 2013. Com síndrome de Down, Ángela, 29 anos, ocupou a vaga de outro vereador acusado de suborno e teve sua candidatura apoiada pelas associações de pessoas com deficiência.
Débora Seabra
Foto: arquivo pessoal.
Com 10 anos de carreira, é a primeira professora com síndrome de Down do Brasil e atua em uma instituição privada em Natal, no Rio Grande do Norte. Ela, aos 33 anos, é professora auxiliar da educação infantil.
Texto original de Carla Sá, publicado no jornal A Gazeta.
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