Por Junia Oliveira – Em.com.br
Uma mudança de atitude das famílias foi a principal responsável por um novo olhar sobre pessoas com síndrome de Down (SD). Professor associado do Departamento de Pediatria da UFMG e coordenador do serviço de genética do Hospital das Clínicas, Marcos José Burle de Aguiar acredita que familiares começaram a deixar de lado a postura negativa, defensiva, de vergonha e medo para assumir uma atitude acolhedora. Nela, os aspectos positivos são comemorados e o orgulho dos filhos passa a ter vez. “Esse orgulho das famílias e a confiança delas nos pacientes fez com que houvesse uma revolução. Quando você não acredita numa pessoa, ela não corresponde às suas expectativas. É preciso confiar que ela vai adiante para a realidade mudar”, ressalta.
Para o médico, que também é assessor do Ministério da Saúde para a Política de Doenças Raras, a proliferação do número de associações em defesa de pessoas com síndrome de Down expuseram os meninos e a capacidade deles de vencer, em vez de expor suas debilidades. Eles passaram a ser vistos como pessoas com potencial. “Essa é uma lição para a sociedade e, especialmente, para quem que tem dificuldades ou doenças genéticas. As famílias pegaram esses aspectos positivos e, assim, começaram a impor a esses meninos desafios, os quais fizeram com que enfrentassem, progressivamente, situações melhores.”
Os avanços registrados nos últimos tempos estão nos detalhes mais íntimos. As famílias de Isabela Pedrosa, de 29 anos, e Rafael Fonseca Soares, de 31, decidem nos próximos dias como será o casamento dos dois e com quem vão morar. A mãe de Isabela, a nutricionista do Ministério da Saúde Ana Célia Pedrosa, de 53, sempre ouviu que era um absurdo deixar a filha engatilhar um namoro. Por essas e outras questões, adiou ao máximo a vida sexual do casal. “A gente observa que eles começam a ficar angustiados e até deprimidos. As preocupações são muitas, mas é preciso mudar de atitude”, diz.
A universitária Aline Hélio Figueiredo Terrinha, de 27, não pensa em namoro por enquanto, pois quer focar nos estudos. “Não tenho tempo para isso. Embora fique preocupada, porque a idade vai passando, entendo que para alcançar um objetivo tenho que abrir mão de outros”, diz. Trabalhando e estudando, ela só vê benefícios. No mercado de trabalho, aliás, a produtividade é comprovada. Estudo da McKinsey & Company, consultoria internacional de empresas e governos, mostra que a inclusão de pessoas com síndrome de down no mercado de trabalho traz benefícios mútuos.
Para quem tem a síndrome, o ganho é na qualidade de vida, aprendizado técnico, autonomia, colaboração respeito, liberdade e aceleração do desenvolvimento. Já as empresas lidam melhor com administração de conflitos, desenvolvimento de sentimento de empatia, maior tolerância e paciência e desenvolvimento de estabilidade emocional em ambiente sob pressão. Tudo isso motivado pelo fato de pessoas com SD serem comunicativas, empáticas, afetuosas, terem a memória recente restrita e o comportamento espontâneo.
De acordo com a psicóloga e doutora em educação Regina Célia Passos Ribeiro de Campos, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), essa evolução ocorreu, basicamente, por causa de um outro olhar da sociedade sobre os portadores da síndrome. Mundo afora, a mudança começou a partir da 2ª Guerra, quando houve preocupação maior com direitos humanos. “Os movimentos sociais em defesa dos direitos humanos e do direito das pessoas com deficiência na segunda metade do século 20 consolidaram uma série de garantias para essa população. O Brasil também acompanha essa mudança de mentalidade, mas a situação ainda é mais lenta por aqui”, diz.
Sensibilidade Coordenadora psicopedagógica do Jardim de Infância Algodão Doce, Tereza Amaral conta que, na educação, um dos princípios é levar para os professores a formação e o senso de sensibilidade e igualdade. A escola, no Bairro São Lucas, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, se tornou referência por receber vários alunos com down. “Temos que trabalhar habilidades que vão favorecer a adaptação dentro das características dessas crianças”, afirma. Com experiência de mais de 10 anos em consultório, dos quais três dedicados exclusivamente a deficientes, Tereza chama a atenção para a inclusão dos downs. “O aprendizado é um pouco mais lento e as atividades precisam de adaptação, além de repetição e uma ordem a cada vez. Com o tempo, acostumam o cérebro a multitarefas”.
O médico Marcos José Burle de Aguiar ressalta que hoje é sabido que o paciente com down tem potencialidade muito maior do que se imaginava. “Podemos dizer que eles vão mais adiante com certeza, porque não conseguimos ainda explorar todo potencial que têm. As perspectivas são boas e eles ainda têm muito a caminhar a conquistar. E o farão, não tenho dúvida.”
Matricular filhos ainda é desafio
Muitos avanços, mas ainda muitos desafios. Matricular o filho na escola é uma das primeiras barreiras enfrentadas. Se na teoria as vagas são garantidas, na prática é diferente. Segundo pais, há escolas que, como não podem dizer não, usam táticas para desestimular a matrícula. A Secretaria de Estado de Educação informou que alunos com síndrome de Down (SD) têm espaço garantido nas escolas, na perspectiva da educação inclusiva. Não há limite de vagas. Os estudantes podem ainda ser atendidos em escolas exclusivas. Na rede estadual de ensino, há 22.196 alunos com algum tipo de deficiência intelectual matriculados. Não há dados específicos para a SD. A Secretaria Municipal de Educação também foi procurada, mas não respondeu a demanda sobre o ensino infantil e fundamental.
A arquiteta Alessandra Conradt, de 44 anos, mãe da pequena Clara, de 2 anos e 2 meses, sabe bem o que é isso. A menina não foi aceita por uma escola infantil próxima à sua casa, no Bairro Sion, na Região Centro-Sul, mas, há cinco meses, ela conseguiu matriculá-la no maternal do Jardim de Infância Algodão Doce, no Bairro São Lucas. “Percebemos quando não somos bem-vindos. Embora sejam obrigadas a receber, as escolas usam de certos artifícios para te convencer de que aquele não é o lugar ideal”, afirma.
A fisioterapeuta Simone Cavalcanti de Albuquerque, de 47, também passou por muitos episódios de falta de respeito com o filho Lucas, de 9, aluno do 1º ano do ensino fundamental. Depois de uma semestre na instituição, descobriu que, em vez de aprender, Lucas estava sendo levado para o parquinho ou biblioteca. “Estavam cerceando o direito dele de aprender”, reclama. No meio do ano, ela e o marido estiveram em mais de 10 escolas, até a criança ser acolhida também pelo Algodão Doce.
Alessandra, Simone e outras 600 mães são responsáveis pelo grupo Minas Down, que surgiu ano passado da vontade de pais, amigos e profissionais ligados a pessoas com SD em estreitar o contato entre as famílias mineiras e disseminar novos conceitos. A professora Luzia Zoline, de 61, diretora da Família Down, instituição criada há mais de 20 anos para assistência a pais e filhos, reforça que ainda há escolas barrando vagas, problema que a acompanhou por anos. “Tratam as mães por ansiosas e barraqueiras, mas não é isso. A gente luta pelo direito deles”, diz Luzia, que é membro do Conselho da Criança e do Adolescente de BH. A nova luta, ao lado do marido Rogério Zolini, é conseguir terreno e recursos para construir o espaço da associação, que vai oferecer terapias também aos familiares.