A cada ano há mais pessoas com síndrome de Down chegando à universidade em todo mundo. O primeiro a conseguir completar o curso de magistério de que se tem notícia, em 2001 foi o espanhol Pablo Pineda. O Brasil é o pais da América Latina com o maior número de universitários com síndrome de Down. Aqui, a primeira jovem a se formar no magistério foi Débora Seabra, em 2005, e outras 25 pessoas cursam ou já concluíram a universidade (veja a lista aqui).
Veja a entrevista com Pablo Pineda
Em 2014, um dos aprovados no vestibular para o curso superior de Gastronomia na Universidade Paulista (UNIP), em São Paulo, foi Pedro Carrera, de 19 anos. O Movimento Down conversou com ele por email.
Pedro, por que você quis fazer vestibular?
POR QUE EU QUERO SER CHEFE DE COZINHA E EU SOU BOM DE COZINHAR E EU FIZ TESTES COM MINHA FAMÍLIA. E MEU PLANO E TRABALHAR PARA TER DINHEIRO MINHA CASA, CARRO. EU VOU APRENDER A DIRIGIR.
Você teve que estudar muito?
NÃO EU NÃO ESTUDEI MUITO.
As provas foram difíceis?
NÃO FORAM FOI MÉDIO É SÓ LER E PRESTAR ATENÇÃO.
O que ajudou na hora de fazer a prova?
O QUE AJUDOU NA HORA FOI MEUS PENSAMENTOS DA MINHA CABEÇA, VALEU A PENA,ELES ME AJUDOU E A REDAÇÃO FOI UM POUCO FÁCIL TIVERAM OS FUNCIONÁRIOS DA UNIP QUE EXPLICARAM AS QUESTOÊS E TAMBÉM ALGUNS EXAMES EU USEI O COMPUTADOR PARA FAZER A REDAÇÃO. PRA MIM FOI BOM POR QUE EU TENHO UMA LETRA FEIA E ESCREVO BEM NO COMPUTADOR.
Como você acha que vai ser o curso?
EU ACHO QUE VAI SER BOM COZINHAR , VOU APRENDER AS COMIDAS,SALGADOS, DOCES,MASSAS, PEIXES,CARNES E RISOTO, TUDO.
Acha que vai precisar de ajuda?
SIM VOU PRECISAR MUITA AJUDA PRA PARA APRENDER A COZINHAR BEM.
Que trabalho voce gostaria de fazer no futuro?
EU QUERO TER UM RESTAURANTE SÓ PRA MIM E VAI TER SÓCIOS QUE EU VOU CONTRATAR. VOU FAZER COMIDAS ITALIANAS, FRANCESA, CHINESA, TAILANDESA, ASSIM VAI E BRASILEIRAS. ASSIM VAI TER CLIENTE DE TODO TIPO.
Pedro e Ana Cláudia comemoram a conquista.
Crédito da foto: Acervo pessoal.
A mãe de Pedro, Ana Claudia Brandão, que é pediatra e colaboradora do Movimento Down, falou sobre a trajetória do filho e deu recados importantes para todos os pais e profissionais.
“Ficamos mesmo muito felizes com a aprovação do Pedro. E confesso que também espero que este fato (um jovem com síndrome de Down entrar na faculdade) se torne tão corriqueiro que dispense notas nas mídias.Que o fato fique só com aquela comemoração familiar tão comum nas famílas em que os filhos estão nesta idade dos estafantes vestibulares.
Mas…por enquanto temos, sim, que espalhar aos 4 ventos! Primeiro, pra que as famílias dos pequenos tenham maior força para caminhar numa trilha às vezes nem tão fácil, principalmente considerando a educação no nosso país, em especial a educação dos nossos filhos nas escolas regulares. Segundo, para que a sociedade em geral, aquela porção que não tem familiar com deficiência intelectual, veja de fato nossos filhos como pessoas de potencial, de possibilidades… nem sempre pelo acesso à faculdade, mas de coisas tão mais comuns como ir à escola com todos, namorar, trabalhar, morar em moradias com apoio, enfim, pessoas, como eu ou vocês.
E o Pedro está muito feliz, sinto que um pouco receoso de estudar num lugar novo, onde ainda não conhece ninguém… mas sentimento este esperado, não é mesmo? Afinal ele estudou a vida toda na mesma escola, com a mesma turma. Agora será desafiado a construir novas amizades, novos conhecimentos, novas habilidades, mas é assim que se cresce e amadurece!
Na semana que vem tem lista nova do SENAC. No SENAC ele foi aprovado e ficou na lista de espera, quem sabe ainda terá que decidir que faculdade cursar?? rsrsrs. Além da UNIP e SENAC, ele fez outros dois vestibulares: FMU e Anhembi Morumbi, mas não foi aprovado. No ENEM tirou zero na redação, mas não foi permitido que fizesse a redação usando computador, que foi uma das modificações que solicitamos para a realização das provas.
O Pedro sabe ler e escrever bem, mas no computador escreve melhor, no sentido de ter melhor fluidez das idéias e organização de texto. Além disso, enquanto escreve, não existe a preocupação com a letra (um pouco “feinha” rsrsrs, e às vezes emenda uma palavra na outra, escrevendo em letra bastão – não escreve em letra cursiva).
Dentres os itens de acessibilidade, também solicitamos um ledor e escriba. O ledor para que lesse com ele enunciados muito extensos, fazendo links necessários para não se perder (mas ele conta que usou muito pouco) e o escriba para ajudá-lo no gabarito (a maioria é daquele tipo que voce preenche “bolinhas” correspondente a alternativa/letra e se sair fora, pode ter a questão anulada).
Mas não pensem que ele leu com atenção todas as questões e que tinha noção de todo o conteúdo solicitado. Não!! Posso dizer que na maioria das provas chutou muito! Às vezes escolhia uma letra e a prova toda respondia só esta letra. Não estou tirando o mérito dele, não. Estou tirando o mérito das nossa escolas que não acreditam que nossos filhos aprendem e com isso subtraem deles os conteúdos que dão para o restante da classe.
No ensino médio que cursou, realmente os conteúdos foram, em algumas matérias, muito superficiais. Quando terminou o nono ano, a escola nos disse que ele não poderia cursar o ensino médio, dada a compelxidade desta fase, que os amigos iriam se afastar e ele entraria em sofrimento, que os professores eram técnicos e não estariam preparados pra tê-lo em sala como aluno… Aquela baboseira toda. Fomos a Ministério Público e conseguimos que ele continuasse estudando, a escola precisou fazer um projeto pedagógico específico (não foi dos melhores…mas…), o MP acompanhou todos estes anos do ensino médio….
Tanto no ensino médio quanto na faculdade, penso que, além das conteúdos aprendidos (lembrando que poderia ser melhor, na escola do Pedro em muitas matérias, ele praticamente não viu o que foi dado para a classe), fundamentais para o cotidiano, cultura geral, exercícios de raciocínio, etc, tem o lado da manutenção do convívio com as pessoas de sua geração e faixa etária. Com isso, o jovem convive com as expectativas dos amigos e muitas vezes, isto vai refletir no que querem para si próprios. Além do interesse pelos programas do momento, shows, bares, baladas, churrasco na casa dos amigos, contato com a bebida, drogas (faz parte entrar em contato, experimentar, recusar, saber seu limite, enfim… isto tá no “script” de quase todo adolescente). E este cotidiano nenhuma família consegue dar se o filho não estiver na escola, em qualquer nível. Grupos de passeio, encontros, cursos técnicos em que a faixa etária é muito variada, predominando adultos, não fornecem esta experiência e consequentemente o amadurecimento, experiências e oportunidades. Sem falar de cursos somente para pessoas com síndrome de Down: acho válido, desde que a pessoa tenha atividades “tudo junto e misturado”. Além disso, entrar na faculdade é muito significativo para o empoderamento, auto-estima (embora percebo que não seja uma problema dos nossos filhos… rsrs).
Mas, o resultado está aí. Entrou no curso que queria, numa faculdade perto de casa! Tudo de bom, certo? No decorrer do ano conto como está se saindo! Vamos ver como se sairá o nosso chef de cozinha!”
Margarete Reis, mãe da Laura, de 23 anos, nos contou pelo Facebook que a jovem se formou em Gatronomia pela Hotec, em São Paulo. “Nosso maior orgulho é a prova de que nunca devemos subestimar a capacidade de nossos queridos filhos mais que especiais!!”.
Por Patricia Almeida
Fonte: – Movimento Down – http://www.movimentodown.org.br/2014/01/com-determinacao-e-apoio-cada-vez-mais-jovens-com-sindrome-de-down-chegam-a-universidade/#sthash.bb0S0puV.dpuf