Aquele olhinho meio puxado não engana. Indica logo que se trata de alguém com Síndrome de Down. De fato, essa característica tão marcante é usada pelos médicos para o diagnóstico clínico do bebê com Down.
O erro, entretanto, está em ver naquela pessoa uma falta de capacidade inata, como se a Síndrome significasse o destino a uma vida improdutiva e sem autonomia. É o que afirma o presidente do Departamento Científico de Genética da Sociedade de Pediatria de São Paulo, Zan Mustacchi.
“Porque ele é um Down, porque eu vi o rosto dele, eu não dou oportunidades que ele merece ter. Então, eu acabo limitando-o sem, entretanto, saber o potencial de capacitação. Eu costumo dizer o seguinte: os limites quem tem de colocar somos nós mesmos. (…) Se um outro indivíduo me limitar e disser que eu não vou aprender francês, é porque ele não vai me permitir nem sequer ter aula de francês.”
A falta de informação sobre as potencialidades da pessoa com Síndrome de Down causa preconceito até por parte de quem é responsável por seus cuidados, como professores, médicos e pais.
Érika Iarópoli ouviu de uma professora que sua filha nunca conseguiria se alfabetizar. Na maternidade, ela conta, os médicos e enfermeiros fizeram um clima de velório ao lhe dar a notícia de que a filha tinha nascido com a Síndrome.
Roxanna Campos, por sua vez, admite a própria reação negativa ao receber a mesma notícia, mas encontrou um médico mais bem preparado.
“Para mim, que nunca tinha convivido com Down, foi terrível, sofri muito, foi desesperador, sofri uma morte, um enterro. Por quê? Porque eu não sabia. Eu era tão preconceituosa, tão inexperiente, que, quando eu fui a um pediatra, eu disse assim: doutor, ela vai me amar? Eu vou ter que largar minha vida, vou ter que parar de trabalhar? O médico falou: vai se arrumar, cuidar da sua vida, porque a pior coisa que tem é uma mãe dentro de casa, neurótica, em cima de filho. Ela vai ter que ter as experiências dela, ser feliz e sofrer.”
Surpreso, o deputado Eduardo Barbosa, do PSDB mineiro, ficou quando descobriu que seu funcionário, Rodrigo Marinho, sofria com o preconceito de uma pessoa com deficiência física.
“Era interessante que essa outra pessoa com deficiência encontrava com o Rodrigo nos corredores e punha apelido, zombava dele. Às vezes o preconceito, você acha que é só de pessoas não deficientes para pessoa deficiente, mas era uma pessoa deficiente que transpunha para o Rodrigo, por ser uma deficiência às vezes maior, vamos dizer, entre aspas mais comprometida, o outro se achava no direito de gozá-lo, colocar apelidos.”
Uma pesquisa realizada em 2009 pela Fipe revelou que 99,3% dos alunos, pais, mães, diretores, professores e funcionários de 501 escolas públicas de todo o País têm algum tipo de preconceito. Seja contra cor, gênero, idade, condição social, orientação sexual, local de moradia ou deficiência.
Ao citar a pesquisa, o deputado Eduardo Barbosa afirma que, apesar de dizerem que não tinham preconceito, os entrevistados, quase sempre, demonstravam esse sentimento ao responder a perguntas como: Você namoraria essa pessoa? Você deixaria seu filho convidá-la para brincar na sua casa? Você a convida para a sua festinha?
Eduardo Barbosa, que emprega uma pessoa com síndrome de Down há oito anos, conta que em seu gabinete não há diferença de tratamento entre os funcionários.
“As pessoas o tratam de igual para igual, se está errado, se está certo. Não tem aqui nenhum sentimento piegas, ai, coitadinho, ou coisa semelhante. Eu mesmo o trato como qualquer outro funcionário, sem querer passar a mão, porque isso também é prejudicial. A pessoa com Síndrome de Down, às vezes, tende a nos seduzir. Eles são espertos, às vezes, fazem chantagem com você, emocional. Se ele vem com um problema de casa, ele chega aqui e quer contagiar esse problema para todo mundo, fica emburrado num canto. Então você tem que estar atento a isso, para mostrar para ele que não é por aí que ele vai conquistar a suas coisas.”
O preconceito fica ainda mais sério quando se torna agressão física. Aos 17 anos, Gabriel Timo Moura apanhava diariamente na escola, de colegas de 9 e 10 anos. Sem condições de relatar o que estava acontecendo, Gabriel aguentou calado até que a mãe, Maria Aparecida Timo Moura, testemunhou a agressão.
“Naquele monte de menino que vinha saindo, eu consegui perceber que tinha um garoto, tanto um da direita dele, quanto um da esquerda, que chutavam o Gabriel insistentemente. (…) Na semana posterior, eu já havia conversado com a direção, eu fui buscar o Gabriel. Quando eu cheguei, eu olhei e a calça jeans dele estava só a lama. Lá tem canteiros em frente às salas de aula. Ele me disse que o menino empurrou ele e jogou ele lá dentro. E esse canteiro é ladeado por cimento, concreto. Ou seja, por sorte, ele não se machucou gravemente, poderia ter batido a cabeça.”
Segundo Maria Aparecida, a professora de Português conseguiu identificar um garoto que agredia Gabriel dentro de sala e o encaminhou à diretoria.
Mas a decisão tomada foi mudar o agressor de turma, contrariando a filosofia da inclusão, que, segundo a coordenadora da Apae de Sobradinho, no Distrito Federal, Ester Toledo, demandaria a conscientização do garoto de que o colega merece seu respeito. A mãe de Gabriel não foi informada de outras medidas que tenham sido tomadas pela escola.
O diretor de Educação Especial da Secretaria de Educação do DF, Antônio Leitão, incentiva as pessoas que sofrem com a discriminação a formalizar sua denúncia, para facilitar a apuração do caso. E explica que tem sido feito um trabalho de conscientização das pessoas para a aceitação da diferença.
“A forma que a gente entende que isso possa mudar é educação, é o convívio fraterno do dia a dia, onde as pessoas procurem compreender uns aos outros, e a gente trabalha com palestra. A sala de aula, por exemplo, é um ótimo ambiente onde as pessoas vão conviver, e a gente entende que, na medida em que existe o convívio, existe uma possibilidade paulatina de as pessoas conseguirem construir entre elas mesmas uma relação, digamos, no mínimo educada.”
Essa também é a percepção da presidente da Federação Brasileira das Associações de Síndrome de Down, Maria de Lourdes Marques Lima. Sua filha de cinco anos tem Síndrome de Down e estuda numa escola pública, em classe regular.
Ela conta que as outras crianças percebem que existe uma diferença, mas tratam a coleguinha com naturalidade, carinho e atenção. Segundo ela, essa é a forma de cortar o preconceito pela raiz, pois as crianças vão aprender e ensinar aos pais a conviver com a diferença.
De Brasília, Verônica Lima – Rádio Câmara