Também é direito dos pais exigir que a escola ofereça um ensino adaptado para crianças com deficiência intelectual.
Aceitar e saber conviver com as diferenças é um dos preceitos que regem a nossa Constituição. Mas, na prática, infelizmente, ainda se vê muita discriminação no Brasil. Um crime que acontece inclusive nas escolas. É o que conta a Monica Mendes, de Americana, São Paulo. Ela é mãe de uma menina com síndrome de Down, e está em busca de uma vaga pra filha.
Esse é o assunto que o doutor Drauzio Varella e o Breno Viola vão discutir hoje. E a turma que você vai conhecer agora vai fazer você se perguntar: qual é a diferença?
O salão está pronto. Daqui a pouco, Giovanna vai comemorar seus 15 anos com música alta, uma pequena crise de ciúmes e uma declaração de amor. Longe dali, duas grandes amigas passaram o dia brincando. Trocaram perucas, provocações e abraços.
Se tem um lugar importante para a vida de qualquer criança, este lugar é a escola. Para quem nasce com síndrome de Down não é diferente.
A Raíssa tem 17 anos, está no auge da adolescência, brinca o tempo todo. Há quatro anos, Raíssa estuda numa escola particular considerada modelo de inclusão no Rio de Janeiro.
“Ela é estudiosa, se preocupa com as notas, adora fazer pesquisa”, afirma Simone Lopes, mãe da Raíssa.
Na sala de aula, ela tem uma professora de apoio que reforça o que está sendo ensinado. E depois do horário regular, Raíssa tira todas as dúvidas com um material adaptado para ela.
Amigas desde pequenas, Priscila e Fernanda também estudam em escolas públicas com inclusão. Elas frequentam a chamada “sala de recursos”, uma ponte fundamental entre a sala de aula e a criança com síndrome de Down.
“A gente vai sempre adaptando os materiais, o conteúdo. Aumenta a letra, põe um desenho, para que essa criança possa estar visualizando melhor”, conta a professora da sala de recursos Ana Christina Ferret.
O tempo de aprendizado para quem tem síndrome de Down varia muito de uma criança para a outra. Professores e pais precisam estar preparados para lidar com isso.
“Eu aprendi, no convívio com a Eve, a viver a cada dia”, afirma o senador Romário Faria.
Romário nunca mediu esforços para estimular o desenvolvimento da filha. Cada conquista da caçula enche o pai de orgulho.
“Com dez anos ela lê, ela escreve, ela sabe falar algumas palavras em inglês. Sabe contar em inglês”, conta Romário.
Não é fácil encontrar escolas que pratiquem a inclusão de verdade. O que não pode acontecer, mas ainda acontece, é que os pais fiquem acuados, com medo de cobrar pelo direito que toda criança tem à educação. Inclusive todas aquelas com deficiências intelectuais. Educar o seu filho não é um favor que a escola faz por compaixão e solidariedade. É uma obrigação.
“O Movimento Down recebe, mas é muito, e-mail, mensagem, visita de famílias falando assim: “Fui a sete, oito, nove, dez escolas e nenhuma aceitou o meu filho porque tem deficiência”, diz Maria Antonia Goulart, da ONG Movimento Down,
Aconteceu com a Nayeni, quando ela tentou procurar uma nova escola para a filha. “Eu fiz todas as perguntas, peguei valores, data de pagamento. Quando eu cheguei na escola com a Ana para pegar o boleto de matrícula, a funcionária olhou e disse: ‘A gente não trabalha com esse tipo de criança’”, conta a professora Nayeni de Oliveira Fahl, mãe de Ana Clara.
“Fui a quatro escolas perto de casa. E aí eu chegava nas escolas: ‘Tem vaga pra criança de cinco anos?’. ‘Ah, tem’. Aí quando eu dizia que era pra ela eles olhavam: ‘Ah, mãezinha, sinto muito, nós no momento não temos condições de matricular a sua filha”, diz a professora Celina Anacléto de Resende, mãe de Emanuelle.
“Quando a matricula é negada, em função da deficiência, isso é crime de discriminação”, afirma Maria Antonia Goulart.
“É proibido no Brasil se negar matrícula pra uma pessoa com deficiência, pra uma pessoa com síndrome de Down ou qualquer outro tipo de deficiência. Qualquer família que for submetida a recusa de matrícula deve imediatamente apresentar esta denúncia”, explica Martinha Dutra dos Santos, diretora de Políticas da Educação Especial do MEC.
“Eu fiz um boletim de ocorrência, mas eu não quis uma escola que fosse obrigada a aceitar a minha filha”, conta Nayeni.
“Eu me senti apunhalada pelas costas. Essa é bem a palavra”, afirma a dona de casa Rosangela Pimentel Galina, mãe de Amanda.
Até o ano passado, Amanda estudava numa escola particular. Na hora de renovar a matrícula da filha, a Rosângela foi surpreendida com um “adendo” no contrato.
“A escola me exigiu que eu contratasse um cuidador e um professor auxiliar pra estar com ela em todo o período de aula”, conta Rosangela.
Drauzio Varella: Isso pode ser cobrado à parte na mensalidade?
Martinha Dutra dos Santos: Não, não pode. Todo o custo da oferta do ensino deve fazer parte de um cálculo geral.
Rosângela fez uma denúncia ao Ministério Público.
“É proibido pela legislação brasileira, proibida a cobrança de qualquer taxa adicional em razão da matrícula de uma pessoa com síndrome de Down ou de qualquer outra deficiência”, Martinha Dutra dos Santos.
A lei é muito clara e foi sancionada no mês passado. O próprio Romário está entre os pais que a partir de agora vão brigar para garantir o aprendizado dos filhos sem a abusiva taxa extra na mensalidade.
“Eu pago ainda a taxa extra para o professor auxiliar chamado mediador. Mas se tiver que entrar na Justiça pra fazer valer a lei com certeza eu entrarei. Essa é a responsabilidade do colégio”, diz Romário.
“A escola tem que estar lá pra ajudar a gente a desenvolver nossos filhos. Não para querer que a gente tire eles de lá. Não é esse o dever da escola”, afirma Rosangela Pimentel Galina.
Também é direito dos pais exigir que a escola ofereça um ensino adaptado para crianças com deficiência intelectual.
“A criança vai pra escola pra aprender. Se a criança não está aprendendo, aquilo não é uma educação inclusiva. Ela simplesmente está lá”, avalia Rosane Glat, diretora da Faculdade de Educação da UERJ.
A inclusão malfeita pode ter consequências graves. Em Brasília, Victoria ficou os seis primeiros meses deste ano em casa, sem estudar. Ano passado, ela foi transferida para uma escola pública que não estava preparada para recebê-la.
Gilberto Marques, funcionário público, pai da Victoria: Não existia o professor alfabetizador nem a sala de recursos pra ela”, conta o
Drauzio Varella: Ela não conseguia acompanhar?
Jussiara Marques, servidora pública, mãe de Victoria: Não conseguia acompanhar e sofreu de bullying.
Jussiara teve que entrar na Justiça para que a filha pudesse concluir a alfabetização na escola onde estudava antes. “Eu acredito no potencial da minha filha e eu vou brigar até o fim”, diz Jussiara Marques.
O preconceito diminuiu muito. Mas apesar da acolhida dos colegas, alguns recreios são sozinhos.
“Ela quer estra no grupo, ela quer estar junto das colegas de sala, mas muitas vezes, em muitas situações eu acho que ela mesma fica um pouco de fora”, diz a professora Mônica Alexandre.
“Eu acho que essa é a grande batalha nossa com ela. É ela se arriscar mais no convívio social”, afirma Simone Lopes.
Aprender a conviver é uma ferramenta importante pra que estas crianças no futuro sejam independentes. Uma conquista que deve ser estimulada pelos pais desde cedo, com tarefas simples do dia a dia.
“Ter Down não é desculpa pra ela. Ela fazia uma manha. ‘Você não entende que eu tenho Down’. E eu falei: ‘E daí que você tem Down? Você tem Down, eu tenho miopia, outros têm outras coisas. Isso não é razão’”, conta Simone Lopes.
“Tem Down e muita esperteza. Não tem nada de tadinho. Essa coisa talvez seja o maior entrave pra promover a independência. Que é isso que é educar: promover a independência”, defende o músico Hamilton Catete, pai da Raíssa.
A decisão de soltar o filho, ainda que aos poucos, não é fácil.
“Ao 15 anos o Breno chegou pra mim e falou assim: ‘Mamãe, eu não quero mais andar na barra da tua saia. Meus irmãos andam sozinhos, eu também quero andar sozinho”, conta Sueli Viola, mãe de Breno.
“Aí comecei assim: da minha casa até a casa da minha avó”, diz Breno.
“E eu escondida olhando como é que ele se portava”, lembra Sueli.
Para Giovanna, chegou o grande dia.
Cíntia Bié: Você lembra que você falou pra mim que queria sair sozinha, ir à padaria? Você lembra?
Giovanna: Lembro.
Cíntia Bié: Hoje a mamãe resolveu deixar você ir pro salão sozinha.
Pai e mãe com o coração na mão e a filha fofocando na manicure. Foram 40 minutos de liberdade total. Giovanna quer mais. Semana passada, Giovanna já foi pra natação sozinha. Daqui a pouco, está igual a Raíssa, batendo perna pra cima e pra baixo.
O problema da Raíssa, aliás, é outro.
Breno Viola: Você namora?
Raíssa Lopes Catete, estudante: Não, mas eu queria ter.
Breno Viola: Mas você tem que sair, ir pra baladinha pra poder arrumar namorado, essas coisas, né?
“Ela não tem o grupo. A gente está trabalhando um pouco em promover essas oportunidades, levar num bailinho”, afirma Hamilton Catete.
É impossível tapar os olhos para a explosão hormonal que acontece nessa fase. Giovanna comemorou seus 15 anos com tudo a que tinha direito. Chegou até a chorar por causa de um mal-entendido’ mas deu a volta por cima.
Breno Viola: Vinicius, você está apaixonado por ela?
Vinicius Simplício: Eu estou.
Breno Viola: E você? Está apaixonada por ele?
Giovanna: Estou.
Breno Viola: Posso fazer um pedido à aniversariante? Você deixa eu dançar com você uma valsa?
Vinicius Simplício: Não.
Breno Viola: Não?
“Eu acho que ela está muito nova para namorar. Sinceramente, isso não é uma questão de Down. Ser Down ou não ser Down”, afirma Valdemar Rezende, pai da Giovanna.
“Ela é humana, né? Acho que ela tem todo o direito de namorar, de encontrar uma pessoa que ela goste, que ela se sinta bem ao lado”, diz Cíntia Bié, mãe da Giovanna.
Domingo que vem, vamos falar de sexualidade e desejo. Afinal, qual é a diferença?
Fonte: Fantástico (globo.com)