No último dia 23, o Congresso Nacional do Peru homenageou os pilotos peruanos que participaram do Rali Dakar 2019, disputado inteiramento no país andino. Entre os laureados, um deles chamava bastante a atenção: Lucas Barrón, 25, que tem Síndrome de Down.
Copiloto de seu pai Jacques na categoria UTV (sigla em inglês para veículo utilitário multitarefas), Lucas se tornou a primeira pessoa com a deficiência a participar da mais tradicional prova off-road do mundo.
Jacques Barrón já é um veterano no evento, tendo participado de cinco edições na categoria de motos. Criado nesse ambiente de competição, Lucas, que também pratica futebol e natação, viu no pai uma referência.
“Meu pai faz muitos esportes. E eu quero ser como ele. Sempre sonhei em ir [correr] com o meu pai. Eu o ajudo a empurrar o carro”, conta Lucas, por telefone, à reportagem.
O trâmite para permitir que Lucas participasse do Rali Dakar não foi simples.
Aprovado em uma série de avaliações médicas, a Federação Peruana de Automobilismo concedeu a ele uma licença de acompanhante, que apenas o impedia de pilotar. A licença era suficiente para que participassem juntos de competições locais de rali, como a Baja Inka, no Peru.
Para o Rali Dakar, porém, a lista de exigências era um pouco mais complicada.
“Parecia que nosso projeto ia dar errado, quando de repente um representante da FIA (Federação Internacional do Automóvel) nos disse que havia a possibilidade de que ela abrisse uma exceção, com a condição de que Lucas não dirigisse. Fiz um trâmite com a FIA, apoiado pela Federação Peruana, com uma carta compromisso minha na qual dizia que Lucas não dirigiria nunca em toda a corrida. Com isso nos deram a licença para que ele participasse”, afirma Jacques.
Com a aprovação de seu registro na prova, Lucas e Jacques precisaram enfrentar mais um desafio: convencer a mãe, Lucía, a dar o aval para a participação do filho.
“Em um primeiro momento não concordei, como você deve imaginar. Para começar um Dakar você precisa de tempo e dinheiro, coisa que não tínhamos na nossa família. Então não me parecia boa ideia. Depois vinha a parte da responsabilidade. Pensar que seu filho vá participar da corrida mais difícil do mundo, tenha ele ou não Síndrome de Down, sempre te dá medo, dá nos nervos”, conta Lucía Barrón, que é assessora de imprensa da equipe.
“Mas logo vem o outro lado, que se comprova hoje, quando você vê a emoção, o carinho e a felicidade deles e de todo mundo. Creio que é parte da vida e do espírito de certas pessoas, é algo que não pode ser cortado. Ou seja, é a essência de Jacques, que contagiava Lucas de todas as formas”, diz.
Lucas e Jacques deram a largada no dia 6. No dia 10, o carro apresentou problemas na Duna Grande, a duna mais alta do Peru (1.693 m), e precisou ser resgatado. Depois de consertos, a dupla conseguiu recolocar o veículo na prova, mas no dia 14 (o rali terminou no dia 17), precisaram abandonar por novos problemas mecânicos.
Em meio aos percalços da prova, Jacques e Lucas receberam uma visita muito especial em uma das paradas. Os pais de Italo, um menino peruano com Síndrome de Down, queriam conhecer o copiloto da equipe e aproveitaram para tirar fotos e conversar com Lucas.
Na página do Facebook “Barrón x2”, criada pela família para atualizar os passos no Rali Dakar, uma enxurrada de mensagens do mundo todo desejavam sorte aos dois, além de mostras de carinho de pais e mães que também têm filhos com a mesma deficiência de Lucas.
“Cada dia com Lucas é um aprendizado. Ele nunca se cansou, nunca quis parar, nunca lamentou, nunca se queixou, sempre esteve feliz. Durante as noites me dizia em que etapa estávamos, o que precisávamos fazer, para onde teríamos que ir. Não se desanimou em nenhum dos dias de corrida que fizemos juntos, apesar que passamos por tudo”, conta Jacques.
A “loucura” rendeu aos dois uma experiência única em família. E a Lucía, antes cética quanto à ida de Lucas ao rali, o orgulho de ver seu filho feliz e causando impacto sobre outras vidas.
“Quanto devemos aos loucos? Que terrível e triste é um mundo cheio de gente normal”, completa a mãe.
por Bruno Rodrigues | Folhapress