Por Mariana Rodrigues Cerbelheira – Site Outro Olhar
Diversidade é o que define Mariana Rodrigues Cerbelheira. Mas nada de pensar em inclusão, igualdade, síndrome de Down… Com 30 anos, a articulada Mari – como prefere ser chamada – ostenta um currículo variado com cursos de auxiliar de escritório, inglês, costura, cozinha, bijouteria, maquiagem e canto. “Agarro todas as oportunidades que surgem na minha vida. Sempre quis aprender de tudo. Acaba sendo uma necessidade, já que procuro ser cada dia mais independente. Se eu perder a minha mãe quem vai cuidar de mim? Tenho uma irmã, mas preciso estar preparada. Não sabemos do futuro”, completa Mari.
Um dos recursos para aprender mais e mais está na leitura, que ela pratica com afinco. Atualmente a incerteza com o amanhã tem pautado seu interesse. “Estou na fase de ler livro espírita, sobre reencarnação. Mas, sinceramente, eu não acredito nessas coisas… Só leio porque, antes de criticar, preciso conhecer. Pra mim, a vida é simples: morreu e ponto final”, diz. Os livros, a Bíblia e imagens de santos decoram o quarto desta paulistana, junto a fotos de Zezé de Camargo e Luciano, revistas de celebridades, CDs, bichinhos de pelúcia e seu porquinho da sorte – cofrinho com o dinheiro que ganha no bingo da família.
Mariana acredita que nossa principal missão no mundo é fazer o bem. Para isso, doa cestas básicas, divide os gastos mensais com a mãe Leonice, paga o supermercado da avó Lourdes e sonha com o dia que poderá sustentar toda sua família. “Não esquece de falar que eu também tenho um lado ruim. Sou boazinha, fui muito bem educada pela minha mãe. Mas sou briguenta e teimosa como meu pai, o Eli”, ressalta rindo. Nestes momentos ranzinzas, Mari garante ter a solução perfeita: dançar. “É só ligar o som, empurrar o tapete e se jogar. Meia hora depois já estou recuperada”, revela – e aproveita para mostrar seus melhores passos.
Parte da decoração diversificada do quarto da Mariana
O porquinho da sorte lotado de dinheiro do bingo
Ser diferente
Mariana foi uma filha planejada. Nasceu prematura com cerca de 2kg. E já nos primeiros dias seus pais ouviram dos médicos o diagnóstico: ela teria mongolismo e poucos anos de vida. “Foi um susto. O que era mongolismo? Eu gritava para o médico, enquanto minha irmã dizia que a Mari era perfeita. Tinha pé, mão… Era uma bonequinha”, relembra Leonice. Mari interrompe e completa: “Sou a prova de que todos estavam errados: médico, enfermeiras e inclusive meu pai. Hoje ele tem orgulho dessa mulher que sou, uma pessoa que minha mãe sozinha conseguiu cuidar e criar”.
A menina frágil, que chegou a tomar água em conta-gotas, entrou para a APAE aos 9 meses. Com o passar dos anos, tornou-se a “grande líder da bagunça”, segundo Bethânia Valença, ex-psicóloga da instituição. “A geração da Mari não foi superprotegida. Dá orgulho de ver. Digo que também são crias minhas. É gratificante ver o progresso. A Mari deu rasteira na consciência de muitos e hoje está aqui para mostrar que pode”, garante a profissional, que até hoje mantém contato com seus pupilos.
Leonice sempre teve participação ativa na educação da filha. Frequentava as terapias, decorava todos os exercícios para fazer com ela em casa. Sempre acreditou que sua filha podia mais – e podia muito! “Certo dia, saí chorando de uma oficina da APAE. Vi uma menina de 15 anos desenhando bolinhas, e não aceitava aquilo. Corri atrás da psicóloga indignada, fui até petulante ao dizer que a Mari não estaria desenhando bolinhas aos 15 anos”, recorda a matriarca, rindo. A irmã Carolina – dois anos mais velha – também exerceu um papel importante na vida de Mariana, estimulando os passos da caçula. “Onde a Carol ia, a Mari ia atrás, imitando. Era super bonitinho. Se uma fazia ballet, a outra também tinha que fazer”, recorda a tia Sueli, que ajudou a cuidar da Mariana em seus primeiro dias de vida.
Concretizando o potencial que sua mãe sempre soube existir, Mari consegue, ainda assim, surpreender muito sua família. Há poucos meses terminou um noivado, com determinação e sem lágrimas – deixando a todos impactados, por serem apegados ao rapaz. “Tivemos uma criação muito diferente, então não deu pra continuar. Eu me viro sozinha e não sou nada coitadinha. Já te falei que até de assalto eu já fugi? Gritei, gritei e gritei igual uma louca. O ladrão ficou assustado e saiu correndo”, lembra Mariana, mudando completamente o assunto. “Ela anda sozinha, pega ônibus, metrô. Até já ensinei a dirigir, e ela faz tudo direitinho. Só que isso a lei não permite, temos que respeitar. Mas ela é muito boa com localização!”, complementa a mãe.
O carinho da mãe Leonice também decora o quarto
A psicóloga Bethânia e Mari
Promoção à vista
Com tantas qualidades e um currículo recheado, nunca foi difícil para Mariana conseguir trabalho. Começou aos 22 anos em estágios e foi conquistando seu espaço. “A Mari sempre quis entrar no mercado de trabalho, trabalhar em um escritório”, conta a tia Sueli. Ganhou experiência em lojas de roupas, hortifrutis, creches, mas sentiu-se realizada mesmo quando ingressou na Câmara Municipal de São Paulo – onde trabalhou por oito anos – no gabinete de um vereador. “Foi importante esse tempo, mas política é muita bagunça. É palavrão e mais palavrão”, relata Mari.
Com a ajuda da irmã, logo Mariana conseguiu uma oportunidade na multinacional Ernst & Young. Foi um processo seletivo longo – mais de quatro horas de entrevistas e testes –, enquanto sua família esperava, ansiosa, em uma sala anexa. Mas deu tudo certo: no mesmo dia, a caçula da família Rodrigues saiu empregada, com uma nova conta bancária e outros benefícios. “Eu só errei porque tive que escolher os beneficiários do meu seguro de vida. E acabei escolhendo minha prima e um ex-namorado. Minha mãe ficou louca comigo”, diverte-se Mariana.
Hoje, Mari é auxiliar de secretária. Em dois anos de empresa, já ganhou aumento salarial e tornou-se porta-voz da inclusão dentro da corporação, gravando um vídeo institucional sobre sua rotina. Elogios não faltam à chefe Monize Paganotti e aos colegas de trabalho. “Minha chefe já disse que eu tenho condições de mais. Quem sabe não posso ser secretária junior? Eu adoro o que faço e meus colegas sempre ajudam. Desde que cheguei não teve um dia que almocei sozinha. Sempre tem alguém comigo. Mas sabe qual é a minha diversão? É até feio falar… É triturar papel. É minha melhor terapia” suspira Mariana.
Responsabilidade e determinação estão entre os grandes valores da profissional Mariana. Um episódio inusitado, no entanto, marcou sua carreira quando ela era aprendiz na Rede Globo. “Imagina que eu estava trabalhando quando aparece o Rodrigo Faro. Sabe aquele gato? Até fiquei com falta de ar. Não pensei duas vezes e sai correndo, determinada a pedir um autógrafo. Só que isso era proibido lá dentro. Levei a maior bronca do meu chefe. Mas quer saber? Acho que não me arrependo!”, recorda Mariana, rindo da façanha.
Família de novela
Após o falecimento do avô, uma nova rotina passou a animar os finais de semana da família Rodrigues. O apartamento, na zona sul de São Paulo, passou a receber a avó Lourdes e a tia Sueli para uma rotina de muito bate-papo, comidinhas, novelas e bingo. “Valendo dinheiro, é claro. Senão não tem graça”, reforça a avó. Os joguinhos no tablet também são um grande passatempo para Mariana. “Minha vida é trabalho, casa, academia, casa. Tem horas que um refrigerante, um joguinho e o Facebook são necessários. Ah, sem esquecer das novelas”, releva Mari junto à fiel cachorrinha Babi.
Afetuosa, Mariana constantemente elogia as “mulheres de sua vida” e interrompe a entrevista pra fazer um carinho em uma delas. “A Mari está sempre preocupada conosco. Ela é a minha caçulinha de sete netos, mas é a única que me liga todo dia. Dá 9h da manhã e o telefone toca com ela perguntando se estou bem”, enaltece a vovó Lourdes. “Ela tem uma personalidade marcante. O gênio é coisa de família, mas com diálogo a gente resolve tudo. Ela é muito sensata. Coração bom. Impossível não se apaixonar”, diz a tia orgulhosa. “É verdade. Eu mal terminei meu namoro e já tem três atrás de mim, apaixonados”, diverte-se Mari.
Mari com a mãe Leonice, a avó Lourdes e a tia Sueli
A inseparável companheira Babi, um shitzu presente da irmã Carol