É comum que crianças com deficiência, especialmente a intelectual, sejam pouco ouvidas. Muitas pessoas acham que o que elas falam ou fazem não pode ser levado a sério, afinal, “não sabem o que dizem”. Quem atua e lida com a Primeira Infância tem o papel de mudar essa visão prejudicial ao bem-estar de meninos e meninas nessa condição.
O problema é sério. O “não escutar”, “não enxergar”, “não dar valor” ao que dizem, pensam e sentem esses indivíduos significa reproduzir e reforçar a violência, contribuindo para uma cultura de exclusão social.
A criança com deficiência se expressa como qualquer ser humano: se o comportamento dela muda, algo pode estar errado – pode ser sinal de violência! Nesse caso, ela precisa ser acolhida e compreendida. Pais, familiares e cuidadores têm de rever a maneira como olham para a criança, parando de interpretar suas manifestações como comportamentos disfuncionais ou atitudes fantasiosas, recriminando-a por isso.
SINAIS DE VIOLÊNCIA
É preciso estar atento aos sinais. Alguns são mais comuns e podem ajudar a identificar casos suspeitos de violência.
1) A criança era calma e de repente fica violenta ou era agitada e passa a se comportar com muita timidez e resguardo. O medo exagerado em determinadas situações também é outro indicador.
2) A menina ou menino com deficiência que antes era calma e afetiva começou a se agredir ou agredir as pessoas ao seu redor? Alerta vermelho!
3) Você percebeu que ela tem aparecido com lesões, roupas rasgadas ou sujas e arranhões? É preciso investigar, urgentemente.
4) Se de repente a criança se descuida da higiene pessoal ou muda seus hábitos alimentares (come pouco ou come demais); passa a urinar sem controle, dia e noite (enurese) ou a fazer suas necessidades fisiológicas em lugares inadequados (encoprese); mudança no sono; erotização exagerada e fora do esperado para a idade. Todos são indícios de abuso.
5) Criança que começa a apresentar problemas na escola: a frequência se torna irregular; dificuldades de concentração e aprendizagem fora dos padrões normais; repentino isolamento social, quando ele não faz parte do quadro de deficiência da criança.
Diante de dúvidas ou desconfianças, é essencial buscar ajuda profissional, acolher e proteger essa criança. O importante é estar atento e não desprezar qualquer mudança de comportamento. É o seu papel alertar, orientar, cuidar e, se a violência for comprovada, denunciar.
COMO AGIR EM CASOS DE VIOLÊNCIA COMPROVADA
Foi comprovado que determinada criança com deficiência física e/ou intelectual sofre violência? Então está na hora de agir!
Há três etapas de intervenção a serem seguidas pelos profissionais que atuam na rede de cuidado e proteção dessa criança (Educação, Saúde e Assistência Social):
1) Notificação/Denúncia: feita através de um documento que relata claramente a situação vivenciada pela criança aos órgãos responsáveis pelos serviços de atenção (Saúde, Educação e Assistência Social).
2) Acolhimento/Encaminhamento: a partir dessa notificação, todos os envolvidos nessa violência (a vítima e o agressor, especialmente) devem ser inseridos nas opções oferecidas pela rede de proteção e responsabilização (conselhos tutelares, Juizado da Infância e Juventude, por exemplo) que tratarão do caso.
Isso vai proporcionar à criança ou à família um espaço de escuta e proteção e definir que atores ou serviços da rede de cuidado e proteção deverão participar do acompanhamento (médicos, psicólogos, psiquiatras, educadores, dentre outros).
3) Atendimento: etapa que procura prevenir novos eventos de violência contra aquela criança, principalmente quando a agressão acontece na família. Nessa fase, os especialistas (Assistência Social) orientam o agredido sobre como se cuidar e se proteger de possíveis novas agressões e trabalham o vínculo entre a criança, a família e o agressor. O objetivo é diminuir o isolamento da vítima e reduzir as oportunidades de repetição dos ciclos violentos.
Procura-se, nesse processo, não só focar na violência em si, mas diminuir o impacto emocional sofrido pela criança em todo o percurso, desde a denúncia e a responsabilização, até o processo de investigação, acompanhamento médico de lesões e, no caso de abuso sexual, do atendimento preventivo contra doenças sexualmente transmissíveis, como DST/AIDS.
Toda intervenção para casos de violência contra a criança deve seguir princípios previstos na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Um deles é que a criança e a família não podem ser acompanhadas por um único serviço da rede ou por um único profissional, mas por um conjunto articulado de serviços e pessoas. É fundamental que haja uma integração da rede de proteção e cuidado para que se as intervenções sejam mais qualificadas e alcancem seus objetivos, resgatando o bem-estar e a segurança dessa criança.
Este texto foi inspirado no artigo “Violência e violação dos direitos da criança e adolescente com Deficiência Intelectual”, dos especialistas Marco Aurélio Teixeira de Queiroz, Aguinaldo Aparecido Campos, Deisiana Campos, Juliana d’Avila Delfino e Rita de Cassia Kileber Barbosa, fornecido pela APAE de São Paulo.
Textos originais: “Chega de violência contra crianças deficientes!” e “Como cuidar da criança deficiente vítima da violência?”